domingo, 30 de março de 2008

Sparagmos II ou Penteu Dilacerado

Os gregos tinham uma relação curiosa com os afetos. Não é por acaso que Dioniso, intolerante com a insistência na noção de medida, põe os gregos à prova todo o tempo, mostrando que onde há cuidado em excesso há também loucura de sobra.

As mênades, seguidoras de Dioniso, tinham nos seus ritos de adoração, um alerta para todos aqueles que tratava o deus como um estrangeiro, afugentando pra longe os riscos do vinho fácil e das experiências do sentir.

A cada recusa, Dioniso premia com a loucura. Pior que o contato é o transbordamento. E os rituais de Dioniso contam esta história. As bacantes subiam as montanhas dançando (oreibasia) e lá, em êxtase, dilaceravam animais e os comiam crus. À primeira parte do ato, o desmembramento dos bichos, chamou-se sparagmos. Ao segundo, o de comê-los, omofagia. Não eram apenas os animais que entravam no ritual. Penteu, rei de Tebas, confundido com um leão, é dilacerado pela própria mãe - a cabeça como prêmio pela dança en homenagem ao deus.

Muita coisa se tira da história de Penteu. E dos animais dilacerados pelas mênades, no tempo congelado dos ritos dionisíacos. A advertência é clara: recuse o presente e suas surpresas, embrulhe-se seguramente com suas memórias, e nada ficará como antes. O transbordamento pode ser o melhor dos prêmios. Mas na sua recusa, Dioniso nem pensa, respondendo de pronto àquele que se desvia dos novos quereres: devolve as memórias em pedaços - fragmentos já irreconhecíveis de si mesmo e do Outro - como a dizer que só há um vento a seguir: o do futuro.

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