domingo, 9 de março de 2008

"Agora você é a Hari". E esta foi a maior declaração de amor que alguém pôde dizer...


Meia-noite em Portugal. Quase nove no Brasil. Eu penso sobre as semelhanças. Aquilo que confunde original e cópia, verdade e possibilidade, amor e ilusão. Desde que cheguei aqui tenho tido ímpetos de escrever. Tanto melhor, já que vida e representação juntas caminham.

Acabo de ver um filme daqueles hollywoodianos. Prefiro não comentá-lo. Mas ele me levou a outro, sobre o qual já escrevi no passado. Solaris. Grande filme, como aliás os que lidam bem com o tempo esticado de Tarkovsky hão de reconhecer.

Mas Solaris não é só mais um filme genial. Ele fala do encontro entre cópia e original no único lugar possível - o inconsciente. A Hari que morreu e a Hari possível, feita de neutrinos. Claro que a Hari de neutrinos ganha vida própria e rouba a cena. Quem duvidaria que a representação pudesse nos tornar mais felizes? A edição do mundo sempre parece melhor. E se não é integralmente, pelo menos é a ponte possível que nos liga ao passado. Este sim - como as madalenas proustianas ou como os torrões de açúcar de Godard - a dissolver-se sem direito a minutos extras na despedida. Curioso mesmo é quando os neutrinos roubam a cena de um passado sagrado...

Não escolhi Solaris por acaso. O filme hollywoodiano me trouxe à memória algo em Solaris que vale a pena comentar. Uma declaração de amor, daquelas que a gente guarda e se emociona. Diante da imagem da mulher, que o perturba como um sonho engasgado dia após dia, Kelvin se apaixona pelo improvável. Entre os neutrinos que tornam a representação possível e a lembrança da mulher morta, Kelvin escolhe a vida. É disso que Solaris fala. Do amor que, inadvertidamente, acontece. Dos encontros que, improváveis, mudam nossa rota. Da semelhança que gera a diferença. E da diferença que gera o encontro.

Diante do improvável e das crises de identidade de Hari - não a de verdade, mas, sim, a de neutrinos -, ninguém imaginaria que Kelvin, depois de tanto resistir respondesse à amada: - Você se engana. Agora você é a Hari.

Não há garantias. O amor, às vezes, nos pega na esquina.

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