terça-feira, 25 de março de 2008

Ariadne: resistências subterrâneas




"E foi sobre estes bancos de solo ainda mal consolidados, mistura incerta de terra e água, que se apressaram a proliferar os mangues - esta estranha vegetação capaz de viver dentro de água salgada, numa terrra frouxa, cosntantemente alagada. Agarrando-se com unhas e dentes a este solo para sobreviver, através de um sistema de raízes que são como garras fincadas profundamente no lodo e amparando-se, umas nas outras, para resistirem ao ímpeto das correntezas da maré e ao sopro forte dos ventos alíseos (...), os mangues foram pouco a pouco entrelaçando suas raízes e seus braços numa amorosa promiscuidade, e foram assim consolidadndo a sua vida e a vida do solo frouxo das coroas de lodo donde brotaram". Castro, Josué. Fome, p. 28

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Ariadne. Quando a vi, foi como se tivesse me deparado, de surpresa, com um espelho. Tamanho o esforço em achá-la, a ela e seu labirinto.

Absorta em sua dor, Ariadne é uma incógnita. É a chave, o fio, a passagem que conduz à saída de uma arquitetura intrigante e estéril, que escapa à decifração. O labirinto é o mesmo e ainda outro. É repetição e ao mesmo tempo ilusão ótica - já que onde tudo parece igual, a surpresa não tarda. O labirinto é metáfora e golpe de vista, geometria de um demiurgo gozador.

Mas se Ariadne é o fio e a saída, ela é, também, a metáfora da alienação. Com olhos colados no passado, ela é a via que conduz os demais ao exterior, mas não pode livrar-se a si mesma. O chão que pisa é movediço. Sem saber que é anfíbia, e desconhecendo as sabedorias de almoxarifado que possui, mergulha na tristeza, vendo, sem reação, a partida de Teseu.

Não grita. Se desmancha por dentro. Deixa que a grama cresça, descuidada, nos vãos do seu corpo. Ariadne é pântano. Mistura incerta de água e terra. Visão incômoda do desleixo, ela é o retrato de seu próprio abandono.

Mas se os mangues são uma estranha vegetação capaz de viver em terra frouxa e alagada, Ariadne é esta estranha e resistente combinação, capaz de sobreviver aos ambientes mais inóspitos e hostis. Seus olhos congelados, colados na superfície hipnótica do ontem, escondem raízes vivas e férteis a se debaterem na face escura e opaca da lama.

Quem a vê, não diz que reage. Não vê que, num processo lento e incansável, ela desata seus próprios fios. Como uma tecelã de si mesma, Ariadne se refaz.

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