segunda-feira, 30 de junho de 2008

Afundando em palavras


Afundo em palavras
Elas distraem teu olho
Que já não sei se me percebe

O tempo é um hiato cruel
erguendo pontes levadiças
entre uma alma que vem e um corpo que espera

Mas sua alma virá mesmo?
Ou ficará comprimida em plástico multicor,
balão de gás que um barbante não segura?

Meus dedos já não alcançam.

A caminho do encontro, o corpo que espera
perdeu-se.
Naufragou em palavras,
até sumir no horizonte.
E, sem corpo, toda alma sente frio.

Palavras pra vestir esta alma. Rápido!
Palavras são necessárias antes que ela perca o pulso.
Uma alma nua não resiste muito tempo.
Mesmo a um olhar absorto como o teu.
***
Afundo em palavras.

quinta-feira, 26 de junho de 2008


"O amante está mais próximo dos deuses do que o amado uma vez que se encontra possesso de um deus"

Fedro em seu discurso no Banquete.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Sobre os ritos, a necessidade de morrer e a urgência de deixar passar


Os ritos são necessários. Para celebrar as coisas que nascem. Para chorar as que morrem.

Os ritos nunca deveriam ser abandonados antes da sua conclusão. Vingam-se no corpo, nele escrevendo toda a história do não-esquecido.

Quem queira entender a dor de uma alma, que se debruce sobre as evidências do corpo que a abriga. Lá estão as marcas ancestrais da palavra engolida.

A palavra nova anda em círculos; só a não-palavra chega onde o terreno é desértico.

Se há uma solidariedade possível, é a do tato - a mais forte e humana das sensações. Solidariedade que investe em desfazer, com dedos de Penélope, os pressentimentos acumulados em um corpo que o tempo colonizou.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Sobre a sorte e as escolhas que fazemos


Gabor: I´m going to tell you a story.
Long ago, I lived on the even side of a street, at the number 22.
I gazed at the houses across the street, thinking the people were happier,
their rooms were sunnier, their parties more fun.
But in fact their rooms were darker and smaller
and they, too, gazed across the street.
Because.. We always think that luck is what we don´t have.
I´II wait at the station.
If you don´t show, I´ll know you went.

Adèle: Went where?

Gabor: To see if the other side´s better.

La Fille sur le Pont, de Patrice Leconte.

***

A Mulher e o Atirador de Facas, nome com que ficou conhecido no Brasil, é daqueles filmes que marcam profundamente quem vê. Longe das receitas hollywoodianas de felicidade, La Fille sur le Pont fala sobre as oportunidades, sobre os encontros que podemos lamentavelmente não reconhecer e, sobretudo, sobre a sorte. Não a sorte que uns têm e outros não. Mas aquela que transita diante de nós e que nos convida a mudanças viscerais.

Por isso, Adèle e Gabor são, logo de início, representações dos desencontros cotidianos. Gabor vê Adèle em uma das pontes de Paris e não mede esforços para transformá-la no seu amuleto. Adèle segue Gabor sem grandes resistências. Ninguém a espera. E sem uma direção definida, qualquer caminho é melhor que a imobilidade.

Se Gabor é a irresponsabilidade medida, Adèle é a distração atenta. Atenta para que nenhuma história crie raízes. Talvez por isso ignore a seriedade indecisa de seu parceiro, a oscilar sempre entre embevecido e rigoroso. Gabor observa. Se embriaga com o que vê em Adèle - energia cercada de sorte por todos os lados.

O encontro entre Adèle e Gabor poderia nunca ter acontecido, não estivesse ela a ponto de se lançar no Sena e ele à procura das suicidas de plantão. Sinal de que a sorte pode sugir das situações mais extremas e inusitadas. Se por sorte entendemos, é claro, toda oportunidade de deter o tanto de morte injetado em nossas vidas.

La Fille sur le pont é, portanto, um convite às apostas que nunca fazemos. Fala de encontros improváveis, de trens e rotas inesperados. De desvios que, só em situações limites, imaginamos. Ou, trocando em miúdos, de amores impensáveis que teimam em ganhar forma - como plantas resistentes - no meio do asfalto.

***

Alguns trechos e traillers de La Fille sur le Pont:

Trailler 1:
http://www.youtube.com/watch?v=m0WwIqtkG3Y&feature=related

Trailer 2:
http://www.youtube.com/watch?v=KFvZsTX0fiU&feature=related

Trailer 3:
http://www.youtube.com/watch?v=o2yGEmXIfuk&feature=related

Trailer 4:
http://www.youtube.com/watch?v=5e4I02kLOaw&feature=related

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Conversando com espelhos


"Por mais amores que possamos ter tido, assim como cada um de nós só tem uma maneira de amar, através de tantas pessoas que quisemos tão apaixonadamente conhecer, não terá cada um de nós ainda assim conhecido senão a si mesmo?"

Grimaldi, Nicolas. O ciúme. Estudo sobre o Imaginário Proustiano

terça-feira, 3 de junho de 2008

O tempo da hesitação


"Vc viu as ruas? Há milhares delas.
Como se faz? Como se escolhe só uma?
Uma mulher...uma casa...um pedaço de terra só seu e uma paisagem pra olhar
Um jeito de morrer?
Todo aquele mundo sobre você. Nem sabe como termina (...)
Nasci neste navio.
E o mundo passou por mim. Mas apenas duas mil pessoas por vez (...)

Terra? A terra é um navio grande demais pra mim.
É uma mulher linda demais.
Uma viagem longa demais, um perfume forte demais.
É uma música que não sei fazer".

Mil Novecentos, em a Lenda do Pianista do Mar.

***

Diferente de My Blueberry Nights, A Lenda do Pianista do Mar não é um filme sobre rupturas. Remete a um momento anterior - talvez aquele instante preciso que divide o mundo em mousse de chocolate e torta de mirtilo. Falo aqui da reação mais primitiva e que envolve os encontros humanos: a hesitação.

Todo aquele que hesita conjuga um tempo próprio. O tempo que já foi antes mesmo de ter-se passado - como se estivesse sempre um passo à frente, espalhando sementes estéreis por onde anda. Há, portanto, uma razão para se hesitar: a certeza de chegar sempre tarde, não importa o quão cedo se esteja à porta das coisas. O passado está sempre desenhando, de seu lugar distante, os limites do futuro.

Na tela, Tim Roth está magnífico na pele do menino 1900, que nunca colocou os pés em terra firme. Impossível descrever a precisão do seu olhar, que sempre se congela diante de um ontem que já não se captura com exatidão e de um futuro que teima em envelhecer. É o olhar de quem já não espera. De quem percebe que só a hesitação pode deter o apetite do tempo.

Mas Novecento resiste a seu modo e esboça movimentos. Transborda, de modo silencioso e titubeante, os seus afetos. Tântalo moderno, revive o famoso mito grego - condenado a não sair de sua situação de fome e desejo, enquanto saborosos frutos o convidam a sair da hesitação. Na impossibilidade que se repete tantas vezes - espécie de pressentimento tatuado na alma - 1900 volta para sua terra, que nunca foi firme. Mundo feito de água, de chão inexistente, sempre a moldar-se pela expectativa de poder parar o tempo.

***

O trailler é belíssimo. Basta clicar no título.

My Blueberry Nights


Só quem viu, entende.
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Para os que não viram, um clique rápido no título.

Para os que entenderam a mensagem, segue o link:

http://www.foriegnmoviesddl.com/2007/12/my-blueberry-nights-2007-kar-wai-wong.html

Uma despedida em conta-gotas


"How do you say goodbye to someone you can´t imagine living without?
I didn´t say goodbye.
I didn´t say anything.
I just walked away".


Lizzie, na despedida que nunca aconteceu. My blueberry Nights.

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Terrível estado este em que se tem que dizer adeus a distância - distância essa que o coração simplesmente não assimilou.