segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O que a renda de bilro ensina sobre a vida cotidiana


Pequenos gestos. É com isso que se constrói uma história.

sábado, 16 de agosto de 2008

Amor Listrado


Assustadora a possibilidade de se estar, pra sempre, atrelado a alguém. Como Sylvia e Ted.

Um olhar. E tudo dito na escassez de palavras.

Palavras como peixes que se afogam no ar; a água pra sempre longe do seu alcance.

Colhidas no chão, feito folhas mortas, as palavras já não servem. Sem um corpo vivo, desmancham-se a um passo do sentido. Só que não se pode abortá-las.

Pontiagudas como lascas de maçã, arranham a garganta. Não descem. Vomitá-las também já não é possível.

Mas as palavras são astutas. Têm sabedoria de almoxarifado, como diria Adélia. Liquefazem-se nos olhos, retirando o verniz cotidiano das retinas.

Não importa que o tempo não volte. O amor será para sempre listrado.

***

Na foto, Sylvia Plath e Ted Hughes. Amor conturbado, perene, de retina.

Ode às virtudes espaço-temporais do amor


Esbarrei nele no aeroporto quase por acaso. Seu nome, Andre. Gorz por via austríaca. Se eu já não tivesse seu nome na cabeça e algumas de suas idéias críticas a mão, não teria atentado para o seu amor absoluto. Sinal de que a vida pública de uma pessoa nem sempre deixa traços muito evidentes da ebulição de sentimentos que dentro dela acontece.

Tinha então 84 anos e se suicidou junto com Dorine, que tinha uma doença degenerativa incurável.

As primeiras palavras do livro "Carta a D.", que encontrei por acaso nas prateleiras de uma livraria do Galeão, contorceram-se, dentro de mim, feito molas. Calaram dúvidas antigas sobre a durabilidade de um amor e trouxeram à tona uma certeza: é preciso não deixar para dizer no dia seguinte aquilo que faz sentido hoje.

Quando tudo parece feito de isopor e espuma nos relacionamentos contemporâneos, Gorz vem dizer que há um antidoto contra a efemeridade. Tão antigo quanto o mundo. Tão fértil quanto o chão em que hoje repousa:

"Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.

Eu só preciso lhe dizer de novo essas coisas simples antes de abordar questões que, não faz muito tempo, têm me atormentado. Por que você está tão pouco presente no que escrevi, se a nossa união é o que existe de mais importante na minha vida?"


E, voltando nas memórias, como quem busca retratos antigos, revela a gênese das raízes profundas de seu afeto:

"Compreendi com você que o prazer não é algo que se tome ou que se dê. Ele é um jeito de dar-se e de pedir ao outro a doação de si. Nós nos doamos inteiramente um ao outro.

Durante as semanas que se seguiram, nos reencontramos quase todas as noites. Você dividiu comigo o velho sofazinho afundado que me servia de cama. Ele tinha apenas sessenta centímetros de largura, e nós dormíamos apertados, um contra o outro. Além do sofazinho, meu quarto só tinha uma estante de livros feita de tábuas e tijolos, uma mesa enorme, atulhada de papéis, uma cadeira e um fogareiro. Você não se espantava com o meu cenobitismo. Também não me espantava que você o aceitasse".

Gorz, A. Carta a D.

***
Amor é quando a gente dorme junto num sofá de 60 cm. E acorda feliz por isto.