terça-feira, 3 de junho de 2008

O tempo da hesitação


"Vc viu as ruas? Há milhares delas.
Como se faz? Como se escolhe só uma?
Uma mulher...uma casa...um pedaço de terra só seu e uma paisagem pra olhar
Um jeito de morrer?
Todo aquele mundo sobre você. Nem sabe como termina (...)
Nasci neste navio.
E o mundo passou por mim. Mas apenas duas mil pessoas por vez (...)

Terra? A terra é um navio grande demais pra mim.
É uma mulher linda demais.
Uma viagem longa demais, um perfume forte demais.
É uma música que não sei fazer".

Mil Novecentos, em a Lenda do Pianista do Mar.

***

Diferente de My Blueberry Nights, A Lenda do Pianista do Mar não é um filme sobre rupturas. Remete a um momento anterior - talvez aquele instante preciso que divide o mundo em mousse de chocolate e torta de mirtilo. Falo aqui da reação mais primitiva e que envolve os encontros humanos: a hesitação.

Todo aquele que hesita conjuga um tempo próprio. O tempo que já foi antes mesmo de ter-se passado - como se estivesse sempre um passo à frente, espalhando sementes estéreis por onde anda. Há, portanto, uma razão para se hesitar: a certeza de chegar sempre tarde, não importa o quão cedo se esteja à porta das coisas. O passado está sempre desenhando, de seu lugar distante, os limites do futuro.

Na tela, Tim Roth está magnífico na pele do menino 1900, que nunca colocou os pés em terra firme. Impossível descrever a precisão do seu olhar, que sempre se congela diante de um ontem que já não se captura com exatidão e de um futuro que teima em envelhecer. É o olhar de quem já não espera. De quem percebe que só a hesitação pode deter o apetite do tempo.

Mas Novecento resiste a seu modo e esboça movimentos. Transborda, de modo silencioso e titubeante, os seus afetos. Tântalo moderno, revive o famoso mito grego - condenado a não sair de sua situação de fome e desejo, enquanto saborosos frutos o convidam a sair da hesitação. Na impossibilidade que se repete tantas vezes - espécie de pressentimento tatuado na alma - 1900 volta para sua terra, que nunca foi firme. Mundo feito de água, de chão inexistente, sempre a moldar-se pela expectativa de poder parar o tempo.

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O trailler é belíssimo. Basta clicar no título.

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