sexta-feira, 30 de maio de 2008

Nenúfares em tempos de proto-amores


Relações de afeto. Meu tema preferido.

Penso no modo como as pessoas entrelaçam suas histórias. Algumas por afinidade. Outras por atração. Mas muitas, realmente muitas, por sobrevivência.

A sobrevivência destila o afeto na corrente sanguínea. Cria nó górdio entre aqueles que ainda ontem eram estranhos. Nos torna anfíbios de sentimento: ávidos por líquidos que nos amoleçam; rígidos para o chão que nos recebe.

Ser anfíbio é ser sobrevivente. É também fazer-se invisível, camaleônico. É saber prender-se de outro modo onde o chão falta, onde os olhos enganam e de nada servem. Em terreno túrgido, outros sentidos são necessários. Onde os olhos encontram barro, afundam-se os pés. Onde a água parece certa, a terra brota teimosa e contra todas as evidências. Mangues e corações: equivalências de um mundo em permanente definição.

***

Demiurgo estranho, o mangue confere vida ao que parece morto, ao que é feito de pedaços inanimados. Faz sementes germinarem em terreno improvável, feio, fétido. Por isso é a melhor imagem para os encontros humanos - que por baixo da lama escura que é o passado-nosso-de-cada-dia, faz nascer novas histórias. Novos cordões de terra e de água.

Fios. Laços. Cabeleiras vegetais agitando-se sob um mundo líquido. Tão imprecisas que se confundem com a areia.

Entre a terra e a água, o encontro improvável. A água dissolvendo a terra e ameaçando sua estabilidade. A terra consumindo a água, encharcando-se dela, até que nada sobre. Dos dois, a lama. E com ela, o ser anfíbio. Aquele que sobrevive, que testemunha, que confere a medida e a fecundidade das coisas.

É na lama que o mundo toma forma.
Que o que é fértil toma corpo.
Que os amores amadurecem, improváveis. Como filamentos verdes em meio ao que antes parecia cimento.

1 comentário:

Anónimo disse...

Have a nice, safe and wonderful weekend